Angelina, a Rainha Núbia

Nem só de cirurgias plásticas, vestidos caros e o chamado "glamour" vivem os concursos de beleza. Na realidade, os concursos escondem muitas histórias incríveis, sonhos de verdadeiras Cinderelas que, pelo menos por algumas horas, ou alguns dias, tornam-se realidade. Em março de 2007 a China foi sede do Miss Tourism Queen, reunindo 108 candidatas de diversos países e regiões de interesse turístico do planeta. Entre elas, uma moça chamou a minha atenção, aliás, chamou a atenção de muita gente: Angelina Nyiajima Jial, Miss Sudão.

O Sudão, que na antiguidade era conhecido como Núbia, a "terra do ouro", é o maior país da África em extensão, e também um dos mais pobres do mundo. É um país em guerra há 46 anos, onde mais de 2 milhões de pessoas já morreram, 400.000 deles, negros massacrados em um verdadeiro genocídio que aconteceu há pouco tempo. Movimentos separatistas e muito sangue e miséria ilustram hoje a realidade dessa terra sofrida e marcada pelo radicalismo.

Angelina Jial, a representante do Sudão do Miss Tourism Queen, era refugiada política vivendo em outro país. Alta, da pele negra como o céu mais escuro, Angelina chamava a atenção onde quer que passasse. Estava longe de ser uma beleza convencional, uma dessas "Barbies" que geralmente se saem bem nos concursos. Os poucos dentes desalinhados não a impediam de viver sorrindo. Quando era ovacionada pelos chineses nas diversas competições do concurso, que durou quase um mês, balançava a cabeça levemente em agradecimento, sorria, e caminhava com os pés e as mãos ligeiramente abertos. Possuia uma elegância natural e um olhar suave, quase comovente.

As candidatas negras geram grande curiosidade entre os chineses, que as querem tocar, ver de perto. Muitas se sentem incomodadas. A Miss Sudão não. Ela era sempre amável com aqueles que se aproximavam dela, acenava para a multidão de curiosos que aplaudiam aquela rainha Núbia, carregava bebês, estava sempre disponível para fotos.

Roupas simples, apenas dois pares de sapatos emprestados, mãos e pés castigados pelo trabalho no campo, aquela moça dava um sentido maior aos concursos de beleza em geral. Não venceu, mas ficou com uma honrosa vigésima-segunda colocação, segundo me informaram os organizadores do concurso. Ela foi a terceira colocada na África.

Na manhã após a final do concurso eu estava no lobby do hotel quando as candidatas desciam para fazer o check-out, pegar seus passaportes e algumas recebiam medalhas por haver alcançado uma das três melhores colocações em diversas modalidades.

O funcionário do concurso entregou à Miss Sudão a medalha de bronze pelo terceiro lugar na África. Para ele era apenas mais uma medalha no meio de uma confusão sem fim, entre passaportes, passagens e medalhas. A expressão dela ao receber a medalha, porém, foi inesquecível. Ela pegou a medalha com a mão esquerda, abriu um sorriso e começou a acariciá-la com a outra mão. Era como se um atleta de uma terra remota de repente tivesse ganho uma medalha olímpica, quando menos esperasse.

Dias antes tive a oportunidade de perguntar a ela como se sentia com todos os aplausos, todo o carinho do povo chinês (em algumas oportunidades ela era menos aplaudida apenas que a Miss China, dona da casa). Ela respondeu: "Eles são maravilhosos, me fazem sentir como uma verdadeira rainha, uma vitoriosa. Nunca esquecerei esses dias tão felizes".

Eu também nunca vou esquecer essa moça de uma beleza que vai muito além do que pode comprar o dinheiro, cirurgias, e um mundo de superficialidade. Angelina é sim uma verdadeira rainha da beleza. Tomara que um dia a sociedade, as pessoas em geral, possam ver em outras Angelinas as vitoriosas que elas são por natureza. Quanto à Miss Sudão 2007, espero que ela tenha alcançado o sucesso que merece e que seja muito feliz.